terça-feira, 20 de março de 2012

Plantação Do Meu Interior


Moça, a voz mansa, os gestos simples, o olhar vagaroso é porque estou cansado. Veja que sou um senhor aposentado.
Trabalhar? Sim, trabalhei. Fui fazendeiro, por muitos anos plantei.
Hectares de plantação. Amores espalhados por todo chão do coração.
Frutos colhidos todo o dia, direto no pé, coisa de encher os olhos de alegria.
Mas hoje o solo é seco, arenoso. Não abriga a vida, não me é mais caridoso.
É terreno abandonado, esquecido, de lado.
Inapropriado.
Baldio, vazio.
Não é por falta de água não. Usava todo meu sangue como irrigação.
As vezes molhei, as vezes chorei.
As vezes olhei pro céu, rezei.
Nada mais cresce no meu interior. Seja exigindo ou seja pedindo por favor.
Mas não faz mal, a gente se aquieta, vira habitual.
A pele caleja, passa a dizer sorrindo "é normal".
Na hora da comida a mesa não é farta, mas se falta amor a gente capricha no sal.

domingo, 18 de março de 2012

Pedagogia Da Dor



A dor é uma criança com déficit de atenção.
Com uma movimentação constante, impulsiva e impaciente.
Nunca é favorável a falta de importância com a dor.
É por vezes muito necessário segurar a dor no colo e dizer em tom de voz suave: “Shiii... Fica quietinha porque tudo vai ficar bem”.

Frio

O tempo fechado pouco importa. O que traz arrepios à pele é o frio que vem de dentro. 

sábado, 17 de março de 2012

Bobby McFerrin - Say Ladeo

Prescrição para dias melhores: Ouvir essa música todos os dias antes de dormir. Ouvir essa música todos os dias depois de acordar.

quarta-feira, 14 de março de 2012

Se Ela Passa Eu Descompasso (Música)



O fato é que o toque do seu tato combina com o meu
Eu gosto do seu rosto e o gosto do meu paladar é seu
Grita no meu ouvido enquanto vou sussurrar
O tanto que suspiro é o tanto que eu vou te amar

Ao passo do compasso eu não passo não
Se passa a luz do dia e você não vem me dar a mão
Vou colocar a roupa mais bonita
Vê se me vê na avenida

Vem trazer  um pouco mais de luz, de harmonia
Vem fazer do dia um dia de folia
Vem pra cá sentir um aconchego meu
Vem que a tristeza já correu, se escondeu

segunda-feira, 12 de março de 2012

Nova Ortografia



O vazio é somente uma pessoa parada em um ponto marcado, esperando outra pessoa chegar. E quando essa outra pessoa chega a conjugação é outra!
Nada de Eu falto, Tu faltas... Nós faltamos. Será bem mais Eu transbordo, Tu transbordas... Nós transbordamos!
E com você eu mudo meu verbo, conjugo e conjuro.
Juro, vamos ser dois em primeira pessoa.
Se contigo sou plural te nomeio como minha singular.
Seria necessário outra reforma ortográfica já que o seu nome passaria a ser composto ao meu. Tudo assim – junto, sem hífen.

terça-feira, 6 de março de 2012

O Moço e o Espelho


O moço, que se sentia perdido, pediu para que fossem tiradas todas as portas de sua casa. Dizia que aquilo servia de remédio contra a ansiedade. Não queria mais aquela sensação de “o que me reserva do outro lado?”.
No seu quarto – quadros. Muitos quadros, em todas as paredes! Nada de naturezas mortas ou paisagens lindas e horizontais. A preferência era pelas imagens de pessoas desconhecidas. Tal qual uma platéia! Tal qual andar por entre multidão. Era um exercício de socialização.
Dormia sempre com a luz acessa. Não por medo do escuro, nada disso. O medo era o de morrer! Mais especificamente o medo da morte por solidão. Quem é que o encontraria ali, onde não se vê uma imagem com exatidão? Onde a luz se recolhe, se encolhe, opta pela omissão.
Era um moço... Problemático, digamos assim. Era Diferente.
Era ele e suas particularidades, detalhes, pontos e contrapontos. Versões e aversões.
Mas de todas as manias uma se destacava: Em toda casa nenhum espelho se encontrava.
Nada nas gavetas, no quarto de hóspede ou no interior do guarda roupa.
Nem no banheiro, sequer!
Mas dizem que as vezes ele se olhava no reflexo da água que encontrava na pia e para si mesmo dizia:
_Eu realmente não faço o menor sentido.

sexta-feira, 2 de março de 2012

Notivagos


Que me desculpem os psicólogos e os autores de auto-ajuda mas minhas terapias são ministradas nos botequins!
Sem o luxo da ergonomia dos divãs, sem horários marcados na agenda, sem apelar para o Tio Freud.
Me diga, quem mais entende sobre a superfície da dor do que os garçons? Não por histórias pessoais mas por intensa pesquisa de campo.
Como alguém dotado de tanto clichê pode ser tão analista?
É dizer “dia cheio, hein? Toma teu copo que sei bem o que te aflige...” que minhas dores rolam pelo balcão.
Sem contar com aqueles que nos fazem de trilha; os Sorianos, os Gonçalves, os Rossis, os Robertos e os Erasmos! Os de sensibilidade à epiderme!
E somos nós, os de bandeira hasteada, defensores daquela velha máquina de música no fundo do bar, desses velhos que sabiam muito bem cantar esse esquecido amar.
A bebida, meu caro, minha cara, reflete isso que a gente sente por dentro, isso que a gente tem às escuras. Mas infelizmente, também não quer dizer que o reflexo nos leve a iluminação.